Por Alexandre Arlota (Mattos Filho)
Enquanto a economia brasileira dá sinais de uma retomada mais lenta do que se esperava, e as expectativas de crescimento do PIB são revisadas para baixo em consequência das incertezas no andamento da Reforma da Previdência, o setor de petróleo e gás vem ganhando dinamismo.
Entre as medidas divulgadas nos últimos meses, o leilão do petróleo excedente da área de cessão onerosa, confirmado para outubro de 2019, deve capitalizar a Petrobras, permitindo-a investir na exploração de seus ativos do Pré-Sal.
Outro resultado será o aumento no país da musculatura das companhias petrolíferas internacionais, as quais tem demonstrado renovado interesse nesta que se considera a área de exploração marítima mais atrativa no mundo.
Embora a recente intervenção do governo no preço do diesel tenha despertado justificados temores de um retorno à desastrosa política que no passado dilapidou o valor de mercado da Petrobras, também no downstream há um clima de cauteloso otimismo com o encaminhamento da venda de refinarias, sobretudo por indicar certa resiliência do viés liberal em face de pressões políticas.
Há, ainda, outras medidas desconhecidas do público geral que reforçam uma perspectiva positiva, entre as quais, a bem-vinda opção de a Petrobras fazer uso do regime-padrão do setor, o qual se funda em cláusula exoneratória do dever de indenizar, que se convencionou chamar de knock-for-knock.
Segundo tal disposição contratual, cada parte assume suas próprias perdas econômicas resultantes de um evento danoso, sem que demande indenização à outra, independentemente de quem der causa ao dano. Trata-se, portanto, de exclusão recíproca de indenização, em situação análoga à do condutor de veículo que, ao colidir com outro, não o compensa pelo dano incorrido, assumindo cada qual o “seu prejuízo”, fiando-se as partes nos seguros contratados.
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Sem nos aprofundarmos em aspectos técnicos, cumpre destacar que no sistema usual de reparação (diferentemente da knock-for-knock), cada prestador de serviço assume o risco de colapso de toda a estrutura de exploração. Mesmo que tal risco fosse segurável (o que não é, já que o mercado securitário reconhece a perda da plataforma como risco exclusivo do operador), o prêmio cobrado seria desproporcional à remuneração do serviço a ser prestado. Por sua vez, em um cenário em que dezenas de prestadores de serviços repassem, ainda que parcialmente, tais custos ao operador, a atividade offshore teria uma perda substancial de eficiência.
Entre as inúmeras repercussões da adoção da cláusula knock-for-knock, há uma economia de escala em toda a cadeia de contratação, dispensando-se coberturas simultâneas de seguro para um mesmo risco. Isto é, a alocação clara de responsabilidades torna desnecessária a sobreposição de seguros.
Merece destaque o fato de que a Petrobras, depois de décadas recorrendo a regime próprio, filiou-se à prática internacionalmente consagrada. E o fez, sem descuidar das particularidades da lei brasileira, a qual impõe determinadas modulações.
Diversamente das providências macroeconômicas, atribuíveis a uma ação governamental, a adoção desse novo regime é mérito do excelente corpo técnico e jurídico da Petrobras. Parece que se formou, portanto, um consenso de que o custo de transação de adotar modelo contratual singular não mais se justificava.
Certamente, uma das consequências benéficas é a aderência aos standards internacionais. Facilita-se, assim, a contratação de prestadores de serviços cujas sedes estão no exterior e que se viam obrigados a contingenciar em seus negócios no Brasil o risco de um regime de indenização contratualmente divergente da prática internacional.
Também a associação da Petrobras com outras petrolíferas, independentemente de qual empresa seja a operadora do campo, torna-se facilitada, uma vez que poderão seguir modelo com o qual já estão familiarizadas em diferentes jurisdições. Todo o anterior se traduz em vantagens objetivas, a exemplo de menores custos de exploração, mas também em ganhos intangíveis, como um ambiente de segurança jurídica e amigável para os negócios.
Alexandre Arlota é doutor e mestre em Direito Internacional e advogado do escritório Mattos Filho. Foi professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Secretário Geral da Comissão de Direito Marítimo da OAB/RJ. Também é autor do livro ‘Cláusula knock-for-knock: admissibilidade à luz do direito brasileiro’.