Em recente artigo, o Valor Econômico comentou sobre decisão judicial em caráter liminar, confirmado por sentença, de juízo federal no Rio de Janeiro, a respeito de restrições à participação de empresa de hotelaria marítima de licitação da Petrobras.
A discussão judicial, bem como o que está em seu entorno, trazem importantes questões multidisciplinares, desenvolvidas tanto no âmbito acadêmico como fora dele, na prática.
O nosso sistema jurídico sofreu e sofre diversas influências de sistemas jurídicos europeus e americanos, influências que certamente variaram ao longo do tempo. Os interesses que promoveram alterações lá fora também moldaram, de alguma forma, o nosso sistema, eis que o Direito não existe independente da sociedade, o que é óbvio.
Se, por um lado, nossas normas anticorrupção foram, em boa medida, respostas dadas pelo Executivo e pelo Congresso em momentos complexos, envolvendo escândalos de corrupção, as normas que as influenciaram também foram elaboradas em contextos equivalentes e/ou de pressão política de diversos atores, inclusive de organizações não-governamentais, com ou sem uma agenda política patrocinada por países desenvolvidos.
Apenas como exemplo, lembremos de Watergate e da adoção da lei de combate à corrupção no exterior nos EUA na década de 70 (o FCPA, para os mais íntimos) e, há quase dez anos, do UK Bribery Act.
Já aqui, tivemos uma lei de improbidade administrativa propelida pelos escândalos que levaram ao impeachment do Presidente Collor em 1992, uma Lei da Empresa Limpa (a 12.846/13) e a da nova colaboração premiada (a 12.850/13), as duas últimas na sequencia dos protestos contra os gastos com a preparação para a Copa do Mundo, realizada na última eleição presidencial aqui no Brasil.
Internacionalmente, países se reuniram em torno de convenções internacionais para o combate à corrupção inclusive empresarial, o Brasil assinando nada menos do que 3 delas e as implementando ao longo dos anos.
O que tudo isto evidencia é um ambiente de constante pressão nacional e internacional para o combate à corrupção empresarial.
Ocorre que as sanções prescritas em diversas das normas nacionais e internacionais precisam ser interpretadas e, sobretudo, aplicadas com base nos objetivos que melhor atendam o interesse público, de forma concreta.
Se, por um lado, é de interesse público que criminosos paguem por seus crimes e até de forma exemplar, quando há justificativa, é também de interesse público que incentivos para a boa conduta estejam bem definidos e sejam efetivamente aplicados tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.
O conceito de sanção, a propósito, não tem sempre a característica de privar alguém, pessoa física ou jurídica, de direitos. Não é portanto, sinônimo de castigo. Uma sanção pode ser premial, velha conhecida do direito tributário brasileiro, por exemplo.
E onde reside o equilíbrio entre sanções punitivas e premiais? Quem o determina e como? Nós mesmos, para nós mesmos? Ou alguém que pensa como nós? O chamado confirmation bias é perigosíssimo! É sempre prudente e necessário procurar opiniões diferentes das nossas e ouvi-las atentamente em processos decisórios complexos, como o de criação, implementação e melhoria contínua de programas de compliance, com sanções, por exemplo. E não adotar, no processo, uma opinião em contrário que seja razoável é, também, um perigo.
Parte do imenso problema que já está sendo enfrentado no Brasil, com relação ao equilíbrio que é inerente à aplicação de sanções punitivas e premiais em normas diversas, inclusive do próprio decreto que regulamentou a Lei 12.846/13, para não falar dela própria, é a multiplicidade de atores legitimados a aplicar e/ou solicitar a aplicação de sanções a terceiros.
Enquanto que, apenas como exemplo, nos EUA já existe um histórico de décadas na aplicação do FCPA pelo DOJ, na parte criminal, e SEC, quando a questão se enquadra e na parte civil, bem como de diplomas estaduais (e o desafio, com 50 estados, não é pequeno), interpretadas e aplicadas conforme precedentes vinculantes, o Brasil adotou uma jabuticaba, uma lei ampla demais, sujeita demais, portanto, a múltiplas interpretações e aplicações, crítica que já não é nova por este autor.
Aqui no Brasil, são tantas siglas envolvidas potencialmente na aplicação em tese e em casos concretos de sanções relativas a ilícitos cometidos ou a serem evitados sob a Lei 12.846/13, combinada com a Lei de Improbidade Administrativa, combinada com a Lei 12.850/13, que fica difícil até lembrar delas. CGU, TCU, AGU, MP… além do Judiciário, claro, e do Executivo, estatais, sociedades de economia mista… Qualquer sociedade de economia mista ficará perdida no meio do tiroteio. E, se houver algum vínculo, por exemplo, com os EUA, como no caso da Petrobras, aí serão mais dois, potencialmente, públicos a satisfazer, um deles a “Justiça Pública” estrangeira (representada pelo DOJ) e investidores internacionais (que se representam e/ou se fazem representados pela SEC).
Mas, convém lembrar, sociedade de economia mista, ou estatal, ou empresa privada não tem vontade própria. Elas todas são veículos, no sentido de facilitarem negócios, empregarem pessoas, catalisarem formação profissional, pagarem tributos e muitas outras atividades e funções. No caso de sociedades de economia mista e estatais, como seria natural, elas têm uma função publica que fala muito alto. E as pessoas que para qualquer uma delas trabalhem, normalmente, dependem de seus empregos, algumas assumem mais riscos do que outras, algumas nenhum, inclusive deixam de atender o princípio da eficiência, que é aplicável ao setor publico, prejudicando, por exemplo, fornecedores de forma injusta e expondo, assim, a condições adversas uma cadeia abaixo de tais fornecedores composta por colaboradores, empregados ou não, subcontratados, comunidades, dentre outros, provavelmente uma grande maioria agindo de total boa fé.
E, então, como equilibrar tantos interesses, que é o que está em jogo, na confecção e implementação de um programa de compliance com sanções punitivas e premiais para que tudo esteja equilibrado e não seja necessário recorrer a uma judicialização de disputa, por exemplo entre Petrobras e um aspirante a fornecedor?
Não estaria na hora de os interessado-legitimados serem consultados sobre o equilíbrio entre sanções punitivas e premiais determinados pelos aspirantes a aplicadores de sanções? Há uma infinidade de mecanismos para tanto. Quem tem filhos saberá quão importantes são os “combinados”, mais eficazes do que uma ordem dada aos berros, que talvez até funcione imediatamente, mas que perderá seus efeitos logo e, aos poucos, o filho, ouvinte, poderá entrar em modo econômico, ignorando os berros.
Mas, fiquem alertas desde já os aspirantes a aplicadores de sanções mencionados logo acima: o risco é ouvir o que não se quer e até talvez ter de implementar o que não se queria, contrariando interesses corporativos ou meras crenças ou falta de informação. Algumas barreiras internas, inclusive, poderão ter de ser rompidas, mas os benefícios, potencialmente, serão incomensuráveis no médio e longo prazo.
Está em jogo, caso não tenha ficado claro ainda, a sustentabilidade de setores produtivos relevantes, como o energético, representado por empresas que podem até ter sido mal-usadas por seus criadores e até empregados, mas que funcionam como verdadeiros hubs para o desenvolvimento do país. Em casos específicos, dos elementos ruins as empresas devem ser separadas, ainda que em caráter precário, o que já tem sido feito, a propósito, na Lava-Jato.