BRASÍLIA – Um dos parlamentares mais atuantes na defesa dos biocombustíveis e do etanol, o deputado federal Evandro Gussi (PV/SP) aposta que o presidenciável Jair Bolsonaro, se chegar à presidência pode rever a proposta de unir os ministérios de Meio Ambiente e Agricultura. Próximo ao setor produtivo e do próprio candidato do PSL à Presidência, Gussi aposta que o debate acerca da Lei Geral do Licenciamento Ambiental será abraçado no eventual governo Bolsonaro por conta de uma “visão estratégica” do candidato.
Integrante do PV e também da Frente Parlamentar Agropecuária, como é conhecida formalmente a chamada bancada ruralista, Gussi afirma que o setor produtivo não se opõe às exigências da legislação atual mas demanda regras claras que não sejam alteradas com facilidade e menos discricionariedade dos agentes públicos. O parlamentar, que não concorreu à reeleição este ano, diz que não há ambiente hoje a retomada do debate acerca da venda direta de etanol ainda em 2018 mas vê a necessidade de um debate mais profundo sobre o tema caso a pauta retorne ao Congresso no ano que vem.
Um dos grandes defensores do RenovaBio no parlamento, Gussi critica o subsídio dado ao diesel pelo governo do presidente Michel Temer e sugere que a vantagem não seja renegociada pelo próximo governo e sim extinta em 31 de dezembro por ser “uma interferência no mercado que gera uma distorção brutal, tal qual a tabela do frete”. O parlamentar conversou essa semana com a EPBR em seu gabinete no Congresso. Abaixo a entrevista na íntegra.
epbr – Estamos perto do segundo turno e com uma eleição que sinaliza a vitória de um dos candidatos, o presidenciável Jair Bolsonaro. Como o senhor vê a possibilidade de a venda direta de etanol voltar à pauta do Congresso nesse ainda um mês e meio de trabalhos legislativos. Ou isso é uma pauta que pode surgir novamente no ano que vem?
Evandro Gussi – Há um estoque legislativo, sobretudo pensando no que ainda tem para ser votado de pautas prioritárias e questões que serão importantes para a transição do próximo governo. Não vejo necessidade ou prioridade para que esse tema volte à pauta até o final do ano.
Para o ano que vem me parece que há uma necessidade de esclarecer tanto a população quanto os agentes políticos sobre a irracionalidade econômica da venda direta. Ela é baseada em um argumento muito simplista e que retirando um dos elos da cadeira produtiva você por isso diminui o custo da transação e diminuiria o preço dos combustíveis. Quando estudamos isso com mais profundidade a gente vê que não é assim que a coisa funciona. Ao contrário, o ganho de escala que se tem no processo de distribuição colabora com o produtor e com o setor de uma forma geral.
A venda direta não é o caminho para resolver os problemas que existem no processo de distribuição. Se queremos uma difusão maior da distribuição e uma participação maior de outros players há caminhos para isso, um deles é o aumento do volume de combustível produzido no Brasil.
Esse é um argumento simplista e que não apresenta uma racionalidade mercadológica quando a gente vai mais a fundo. Isso é o que precisa ser colocado.
epbr – Para o próximo ano então é necessário um reforço da posição contra a venda direta se essa pauta voltar?
Gussi – Sim. O processo de distribuição como negócio é uma realidade em tofos os setores. Em geral, cada vez mais as empresas, no mundo empresarial em busca de eficiência, procuram o máximo de performance possível num setor cada vez mais específico. Se evita ao máximo a verticalização dos processos. Aquele que produz o combustível quer ser o melhor na produção. A Distribuição é um outro negócio, que reclama tecnologia e expertise. A gente diz no interior que quem abraça muito aperta pouco. No fundo, hoje é o que a economia mostra com um processo cada vez mais vigoroso de especialização em uma determinada especialidade.
Isso sem falar que mundo afora a distribuição a cargo de quem não produz é também um processo cada vez mais vigoroso. Lembramos o caso da Amazon, por exemplo, uma empresa que é essencialmente hoje uma distribuidora de produtos de toda ordem. Isso mostra que cada vez mais o negócio de logística tem uma racionalidade própria.
Se há algo que precisa melhorar no Brasil, que o façamos, mas não se deve jogar a criança fora com a água suja da bacia.
epbr – Pensando em pautas para o próximo ano na área de energia e combustíveis, o que pode ganhar relevância no Congresso?
Gussi – Penso que com a provável eleição do deputado Jair Bolsonaro, como hoje as pesquisas mostram, provavelmente nós teremos uma dinâmica bem maior no setor produtivo como um todo mas de modo especial em questões estratégicas.
Eu tenho dito que aquilo que se chama de opção energética nos países são no fundo falta de opção. A maioria dos países caminhou para determinados rumos energéticos e também na área de combustíveis pela falta de opções. Mas quando a gente olha pro Brasil vemos que somos um caso praticamente único em que a diversidade de fontes, muitas delas renováveis e limpas, é extremamente diversificado e que depende apenas de um processo de planejamento bem feito. Isso implica em logística e outros elementos. E me parece que esse processo de desenvolvimento nacional vai ser a pegada – para o qual o setor de combustíveis vai ser fundamental. Eu vejo muito isso na cabeça do deputado Jair Bolsonaro.
Estive pessoalmente com ele falando sobre o RenovaBio e ele participou efetivamente das discussões aqui na Câmara como deputado, apoiou o projeto, foi um player importante, tanto ele quanto (seu filho e também deputado federal) Eduardo Bolsonaro. Ele vê os biocombustíveis, especialmente etanol e biodiesel, como um patrimônio nacional. Só o Brasil tem a capacidade de produzir biocombustíveis sem subsídio e com altíssima eficiência e competitividade. Ele demonstrou a mim muito apreço e conhecimento sobre o tema e sobre a importância da redução de emissão de CO2 e vê que os combustíveis colocam na mesma mesa o ambientalista e o produtor.
epbr – Há dois projetos, um em discussão no Congresso e outro na pauta do candidato Jair Bolsonaro que podem provocar mudanças grandes em relação aos processos de licenciamento ambiental. Falamos da Lei Geral do Licenciamento Ambiental e da proposta do candidato de fundir os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura. O senhor acredita que essas propostas podem causar um impacto na aplicação do RenovaBio?
Gussi – Ao contrário. O que eu tenho visto é que o produtor brasileiro não tem problemas com exigências ambientais. O Brasil é o país que mais preserva a sua vegetação nativa. Mais de 66% do território nacional está com sua cobertura vegetal original, sem nenhum tipo de processo de antropização. E 25% da cobertura vegetal brasileira está em propriedades privadas e imobilizada pelas reservas legais, APPs (Áreas de Preservação Permanente) e assim por diante.
O produtor brasileiro não tem problema com os altos níveis de exigência de sustentabilidade e de preservação ambiental. O problema do Brasil não está nos níveis da exigência mas na previsibilidade da exigência. Se eu sei quais são as regras e o que eu preciso cumprir, o produtor é o principal interessado na preservação.
Foi a agricultura brasileira que desenvolveu o sistema de plantio direto, que é reconhecido no mundo hoje como uma forma de preservação do solo da erosão e lixiviação. Não vejo um produtor brasileiro que gostaria de acabar com reservas legais e áreas de preservação permanente.
O problema é que nunca se sabe quais são as exigências. As regras muitas vezes são pulverizadas e vão para além daquilo que está previsto em lei por meio de resoluções, conselhos, portarias que o produtor muitas vezes não tem acesso. Uma Lei Geral de Licenciamento que torne as regras consolidadas e que sejam bem claras e previsíveis não trará dano ao meio ambiente brasileiro e nenhum tipo de resistência por parte do produtor, quer seja ele agrícola, industrial ou até mineral.
O que precisamos é de regras claras ainda que muito exigentes como já são as do Código Florestal Brasileiro. Nenhum país do mundo tem áreas de 80% de reserva legal como é o caso da região amazônica. E não vejo nenhum produtor sério dizendo que gostaria de mudar isso. O que não pode é você ter viradas e, muitas vezes pela dúvida, processos de embargo em que o produtor não tem culpa nenhuma, mas enquanto não se descobre que ele não tem culpa ele fica com suas atividades inviabilizas.
epbr – E sobre a proposta de junção das duas pastas?
Gussi – Quando pensamos nessa possível união entre Ministério da Agricultura e Ministério do Meio Ambiente, não me parece que esse seja o problema central. O ministério do Meio Ambiente não atua só nos processos agrícolas, mas também nos processos industriais, de mineração, de afluentes, emissões. Há uma série de assuntos que não estão ligados à agricultura e que poderia inflar desnecessariamente a pasta da Agricultura.
O que me parece claro na visão do deputado Jair Bolsonaro e com isso eu concordo absolutamente, é que não é possível ter um Ministério do Meio Ambiente que seja contraproducente e contraprodutivo, ou seja, que veja na atividade produtiva o inimigo da sustentabilidade e do meio ambiente. Pelo contrário, hoje no Brasil quem mais preserva é justamente o produtor. O maior ambientalista brasileiro é o agricultor que preserva 25% do território nacional dentro de sua propriedade privada. Isso é um ativo financeiro imobilizado agora com algumas iniciativas como a compensação de multas e o valor atribuído à floresta em pé.
Essa concepção (do deputado Bolsonaro) está correta. Se isso vai ser feito pela fusão dos ministérios ou a partir de uma nova configuração do Ministério do Meio Ambiente com uma nova configuração que dê menos poder às pessoas e mais poder às instituições, eu acho que esse é o coração. Como isso vai ser definido na prática é algo que vai depender de uma natural e desejável negociação.
O coração do negócio é você ter cada vez menos discricionariedade por parte dos agentes públicos em geral. Nós precisamos ter regras muito claras. É um absurdo vermos casos de propriedades que por ações que não decorreram do proprietário, que não foram intencionais, que ão efeito colateral das atividades de um vizinho, por exemplo, permitir que a propriedade seja embargada por sete ou oito meses para depois se concluir que de fato não havia culpa. E esse prejuízo pelo decurso do tempo, quem vai ficar responsável por ele?
epbr – Então o senhor demanda regras claras e mecanismos de controle mais centralizados?
Gussi – eu sempre me lembro de um pensador que foi prêmio Nobel de economia chamado Douglas North que dizia que um bom desenho institucional é mais importante para o desenvolvimento econômico do que a própria inovação tecnológica. Mundo afora os agentes públicos têm pouca margem, pouca discricionariedade para dizer “embargo ou não embargo”? Porque as regras são claras e objetivas onde a gente já sabe quais vão ser as consequências. Não esse subjetivismo muito grande que tomou conta do Brasil nesses últimos anos porque há uma discricionariedade muito grande com normas que são vagas. É o que a gente chama em direito de cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados que vão ser preenchidos pela visão, pela intuição de um agente público.
Isso está errado. A humanidade lutou muito tempo para descobrir se queria ser governada por homens ou por leis. A consequência do estado de direito é que nós queremos ser governados pro leis. Ou seja, sabendo das regras nós teremos que nos adaptar a elas.
epbr – A regra de subsídio ao diesel ainda está valendo até 31 de dezembro. Como o senhor vê os rumos para essa questão com a perspectiva de vitória do candidato Jair Bolsonaro?
Gussi – Não posso dizer o que ele pensa efetivamente disso. Mas no sentido conceitual é um equívoco. Todo tipo de interferência na economia que não seja para correção das imperfeições mercadológicas já se mostraram equivocadas. Subsidias uma matriz energética que o mundo caminha para substituir é um contrassenso absoluto.
O RenovaBio não é uma política de subsídio mas de incentivo à eficiência porque um determinado litro de etanol pode ter um valor de retenção de carbono, de redução de emissões, maior ou menor do que um outro litro também de etanol porque eu vou avaliar o ciclo de vida daquele combustível. Estamos falando da premiação da eficiência e não de um subsídio gratuito.
Me parece que a solução mais óbvia pé que esse subsídio ao diesel precisa ser extinto, tal qual a tabela de frete que é um outro equívoco. São interferências de irracionalidade já comprovada que geram distorções enormes no mercado justamente para uma matriz energética na qual ninguém no mundo aposta para o futuro.