Por Pedro Paulo Salles Cristofaro
No distante ano de 1986, o Brasil vivia apreensivo com a crise econômica e a alta da inflação. Os preços subiam todos os dias, levando embora as economias dos brasileiros. Talvez um dos poucos setores pujantes da economia fosse o dos fabricantes de máquinas remarcadoras de preços, que pareciam armas portadas por funcionários de supermercados, com a advertência implícita: compre logo porque daqui a pouco fica mais caro.
No meio da crise, o governo veio com uma solução: editou o Plano Cruzado, que tinha como pilar o congelamento e o tabelamento de preços. A sociedade comemorou. Fiscais do Sarney cercavam lojas e supermercados, impedindo as remarcações. O hino nacional foi cantado com orgulho, empresários foram autuados.
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Em poucos meses, o plano começou a fazer água. Os produtos foram se tornando escassos e a inflação voltou com força. Hoje, fica na memória a campanha para “caçar bois no pasto”, com o apoio do exército, se necessário, para combater “especuladores de boi gordo”, que no discurso oficial estariam se aproveitando daquele momento difícil para lucrar e prejudicar o povo.
Ou seja, deu tudo errado.
Os erros do Plano Cruzado não foram, de início, suficientes para aprendermos a lição. Nos anos seguintes, diferentes planos se sucederam, a moeda foi mudando de nome, e o governo continuou tentando combater a febre colocando o termômetro na geladeira. Preços eram congelados, ou tabelados, ou controlados, ou monitorados. Mudavam as palavras, mas as medidas tinham sempre uma mesma base. E a inflação teimava em voltar, cada vez mais forte.
A partir de 1993 a onda mudou. Com o Plano Real, tão combatido por alguns, optamos por uma maior racionalidade econômica e, por incrível que pareça, as coisas melhoraram. Dentre os pontos importantes das mudanças que se seguiram está uma maior abertura do mercado, o Estado transferindo a execução de certas atividades à iniciativa privada, e uma maior concorrência. Não é por acaso que em 1994 foi editada uma lei de defesa da concorrência que deu vida a um órgão até então secundário, o CADE.
De lá para cá, o Brasil passou por diferentes crises. Algumas causadas por nós mesmos, outras externas. Mas é inegável que em muitos pontos (econômicos, sociais) melhoramos muito, enquanto nos mantivemos abertos e enquanto não desprezamos a racionalidade econômica. E também é inegável que, apesar de muitas mazelas, temos uma taxa de inflação baixa, e a maior parte da população, nascida nesse período de estabilidade, sequer pode imaginar o que é viver em uma hiperinflação.
Às vezes, no entanto, parece que, assim como os nossos erros, nossos acertos também não são suficientes para aprendermos a lição.
Em períodos de estabilidade e inflação baixa, é incomum que os preços variem todos os dias. Isso não significa que eles não possam variar todos os dias, mas apenas que, de um lado, o empresário não tem uma pressão permanente para aumentar seus preços, porque os seus custos também são estáveis, e, de outro, que o empresário não consegue aumentar seu preço, porque o próprio mercado rejeitaria esse aumento.
Mas, mesmo em períodos de inflação baixa, fatores específicos podem induzir a aumentos de preços acima do que o conjunto de preços do mercado. Uma geada que acaba com uma colheita; uma praga que se espalha nas plantações; o preço de certos insumos no mercado internacional; uma guerra. Diante desses eventos, quando os custos relacionados à produção de qualquer bem sobem, os empresários, no mundo todo, agem de uma mesma forma: buscam recuperar esses custos, transferindo-os para o preço. A regra vale para o padeiro, quando aumenta a farinha; para o açougueiro, se aumenta o preço do bife.
E aí chegamos à Petrobras. Dois fatores afetam de modo especial o preço do diesel e da gasolina. O dólar e o petróleo. Por razões que fogem ao controle da Petrobras – algumas delas de origem brasileira, outras de origem internacional – esses dois fatores se tornaram mais caros, e mais voláteis. E a Petrobras, como qualquer empresário, reflete esses fatores no seu preço. Se a volatilidade for diária, o reflexo será diário. Se for mensal, será mensal.
Esse vai e vem de preços, e a mudança, para cima, do patamar desses preços, afetam outros agentes econômicos, afinal o petróleo, a gasolina, o diesel estão por toda parte. Dentre as categorias especialmente afetadas está a dos caminhoneiros, que vêm o custo do transporte subir, mas têm dificuldade em passar esse custo, pois o frete não sobe na mesma proporção.
Porque o frete não sobe na mesma proporção? Pela mesma razão que os padeiros e açougueiros não conseguem aumentar seus preços a cada dia em que aumenta o preço da farinha ou do bife: porque existe concorrência nesses mercados.
Diante desse quadro difícil, qual a solução que parece sensibilizar a todos: congelar o preço do diesel e da gasolina e tabelar o preço do frete.
Será que realmente não aprendemos nada nesses anos? Será que a solução não estaria mais próxima do inverso, fomentando a concorrência entre postos de gasolina e – pecado mortal – abrindo o mercado para a concorrência em relação à Petrobras?
A esse propósito, seria bom se governo e oposições lessem as propostas para o setor de combustíveis divulgadas pelo CADE. Não são uma solução fechada, mas miram em uma direção certa.
Se acharmos que o problema vai ser resolvido com congelamentos e tabelamentos, podemos estar certos de que a solução vai dar em água. Ou seja, poderemos até nos orgulhar e cantar o hino nacional mas, no final, caçaremos diesel no pasto.
Pedro Paulo Salles Cristofaro, sócio de Chediak Advogados e Professor da PUC-Rio.