Escrevo este artigo já com o mês de fevereiro chegando ao fim e ainda muito animada com as comemorações da ABEEólica pelos 18 GWs de capacidade instalada de energia eólica. Atingimos essa marca na segunda metade do mês, com mais 8300 aerogeradores funcionando e quase 700 parques. Gosto sempre de olhar para estes números com uma visão de linha do tempo, porque então podemos perceber o quanto caminhamos.
Há exatos dez anos, em 2011, tínhamos menos de 1 GW de capacidade instalada e o que o futuro nos mostra, considerando apenas os contratos já fechados é que, até 2024, teremos pelo menos 28 GWs.
Digo “pelo menos” porque esse número certamente será maior com novos leilões e o grande crescimento do mercado livre. Os números são espetaculares e devem ser comemorados, mas também gosto de questionar: “o que significam estes números?”.
E o que eles significam, para mim, é a força de uma transformação energética, com efeitos diretos para a sociedade.
É desta transformação que gostaria de falar neste artigo.
Falar de transição energética, no caso do Brasil, é fácil. Já temos uma matriz elétrica e energética com participação de renováveis acima da média mundial. No caso da elétrica, por exemplo, temos 83% de renováveis, enquanto a média global é de cerca de 25%. Na matriz energética, temos 46% e a média mundial está ao redor dos 15%.
E seremos cada vez mais renováveis. Temos um dos melhores ventos do mundo para geração de energia eólica em terra, em alguns anos teremos eólicas offshore, nosso potencial solar é enorme, a biomassa cresce com solidez e temos a possibilidade de aproveitar o gás natural do pré-sal para gerar energia.
Nosso desafio não é, portanto, gerenciar escassez de recursos naturais limpos, como é o caso de tantos países que precisaram investir bilhões em políticas de desenvolvimento de renováveis.
Nosso desafio é gerenciar sua abundância para produção de energia, tirar de cada um deles o melhor possível, protegendo a natureza e trazendo retornos sociais e econômicos para a sociedade. Nossa responsabilidade, quando miramos o palco mundial das discussões sobre aquecimento global, é gigantesca. E eu estou falando apenas do recorte das fontes de energia. Se falarmos de florestas e de outros recursos naturais, a responsabilidade brasileira é ainda maior.
E é exatamente por termos essa abundância que podemos entender o processo de transição energética como uma oportunidade para que isso signifique uma transformação energética.
Quando falamos de transformação energética, o conceito é mais amplo e envolve, por exemplo, todas as mudanças e tecnologias que se desenvolvem junto com as renováveis, para atender e permitir seu crescimento, além das consequências na sociedade.
O que consigo vislumbrar é que a verdadeira potencialidade e oportunidade da transformação, que é o fato de o investimento nos recursos naturais, de forma responsável, gerar desenvolvimento econômico e social por meio da distribuição de renda, da inclusão e da diminuição das desigualdades econômicas e sociais.
É preciso dar esse pulo de raciocínio e ação: não basta gerar energia renovável que não emita CO2, é preciso que essa energia impacte positivamente a vida das pessoas.
Aí começamos a falar de uma real transformação energética, da forma como eu a compreendo.
No caso da eólica, já enxergamos muito bem isso. Parques eólicos chegam à regiões remotas do Brasil, especialmente no nordeste, impactando positivamente comunidades por meio de, por exemplo, empregos diretos e indiretos e geração de renda com os arrendamentos de terras dos pequenos proprietários, que seguem com suas criações de animais ou plantações, já que apenas uma pequena parcela da área é utilizada para colocação dos aerogeradores.
Há também impactos de aumento de arrecadação de impostos que, com adequado gerenciamento público, podem significar melhorias para o município. O desenvolvimento tecnológico que chega com as renováveis também significa um novo caminho de atuação profissional.
Além disso, contribuímos para a regularização de terras de pequenos proprietários que jamais tiveram acesso ou condições de cuidar disso. Esse é um efeito positivo pouco discutido, mas ao ser obrigado a arrendar pequenos espaços de terras em áreas que necessariamente devem estar regularizadas, o setor eólico deve cuidar dessa regularização e contribuiu indiretamente para que pequenos donos de terra, especialmente no interior do nordeste, tivessem pela primeira vez seu certificado de propriedade em mão.
Em novembro do ano passado, publicamos o estudo Impactos Socioeconômicos e Ambientais da Geração de Energia Eólica no Brasil (.pdf), realizado pela consultoria GO Associados, e que quantificou os já conhecidos impactos positivos da energia eólica.
O trabalho analisa, por exemplo, os efeitos multiplicadores dos investimentos realizados pelas empresas, assim como o impacto dos valores pagos para arrendamentos de terras para colocação de aerogeradores.
O estudo também fez uma comparação entre um grupo de municípios que recebeu parques eólicos e outro que não tem energia eólica, para avaliar o impacto da chegada dos parques no Índice de Desenvolvimento Humano – IDHM e no PIB municipal.
No que se refere ao IDHM e PIB Municipal, os municípios que têm parques eólicos tiveram uma performance 20,19% e 21,15% melhor, respectivamente, para estes dois indicadores.
Este é um resultado que mostra que não há dúvidas: a energia eólica chega e seus efeitos positivos multiplicadores impactam nos indicadores do município.
O que nossos 18GWs de capacidade instalada de energia eólica significam, além de uma energia limpa e confiável, é isso: um benefício real, palpável e mensurável para a sociedade por meio da melhoria de indicadores tão importantes como é o caso do IDHM e do PIB.
A discussão de transformação energética e dos efeitos da energia na sociedade tem se tornado ainda mais crucial com a pandemia, que parece estar abrindo ainda mais os olhos da humanidade para o inadiável combate ao aquecimento global.
E, nesse processo, as fontes que não emitem gases de efeito estufa e apresentam benefícios sociais, econômicos e ambientais, como é o caso da eólica, são nossa melhor aposta para quando chegar o momento da retomada econômica.
No caso do Brasil, a boa notícia é que temos como uma das suas principais vantagens comparativas em relação a uma grande maioria dos países o fato de sermos uma potência energética com uma grande diversidade de energias limpas e, no caso das eólicas, há ainda o fato de que temos um dos melhores ventos do mundo, o que significa energia muito competitiva. No Brasil a energia da transformação é abundante e é nosso papel trabalhar a favor dela.
Elbia Gannoum é presidente da ABEEólica, economista e PhD Especialista em Energia. Com 20 anos de carreira, tem atuado fortemente para o crescimentos das fontes renováveis no Brasil. Voz ativa no debate de diversidade e inclusão socioeconômica no setor de energia, vem defendendo o conceito de transformação energética brasileira.
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