BRASÍLIA, RIO e CUIABÁ – O governo se mobiliza para tentar derrubar a emenda parlamentar do deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade/RJ) ao Mover (PL 914/2024), que fixa percentuais mínimos obrigatórios de conteúdo local a ser exigido em licitações de blocos para a exploração e produção de petróleo e gás natural.
O texto pode ser votado nesta terça-feira (4/6), no Senado Federal.
A Câmara dos Deputados aprovou com 174 votos a favor e 159 contrários, com apoio de parlamentares da base governista. O líder do governo Zé Guimarães (PT/CE) chegou a defender a votação simbólica do projeto, que carrega outras emendas, como a taxação de compras no exterior.
O governo tem pressa, dada a caducidade da medida provisória que antecipou a criação do Mover, programa do setor automobilístico que substituiu o Rota 2030. O setor anunciou investimentos no país da ordem de R$ 120 bilhões desde a edição da medida provisória, no fim de 2023.
A derrubada da emenda do conteúdo local forçaria o retorno do texto à Câmara dos Deputados. O plano inicial era enviar o Mover para sanção na quarta-feira passada.
Minas e Energia se posiciona contra emenda
Segundo o ministro Alexandre Silveira (PSD), em entrevista à CNN, a fixação de percentuais de conteúdo local em lei reduz atribuições do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidido por Silveira, e da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de analisar os cenários do mercado e “estabelecer índices baseados em estudos técnicos”.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), também se movimentam para barrar a emenda no Senado, assim como representantes da indústria, por meio do Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás (IBP).
Fonte ligada ao MME confirmou à agência epbr que o ministério é contra a medida e que a impossibilidade de se flexibilizar o conteúdo local pode interferir em investimentos internacionais importantes.
CNPE contrasta com governo na Câmara
A preocupação da indústria é com a fixação das regras em lei, o que dificulta alterações e tira a margem de manobra dos órgãos reguladores e do poder público de criar as diretrizes para o desenvolvimento do setor.
Uma das críticas é que a emenda dá ao Congresso Nacional prerrogativas que até então eram do CNPE, com base em critérios técnicos fornecidos pela ANP.
Uma característica de políticas que estabelecem índices mínimos de contratação nacional é mudar ao longo do tempo, acompanhando o desenvolvimento da indústria local.
A evolução é ainda mais relevante num contexto de transição energética, em que o próprio papel do setor de petróleo e gás na economia nacional nos próximos anos tem sido debatido.
Com a consolidação na lei, ficaria mais difícil realizar alterações como as que ocorreram por meio do CNPE no governo Temer e no ano passado, já no terceiro governo Lula.
É importante ressaltar que os novos índices vão passar a valer para blocos que serão leiloados nas próximas rodadas da oferta permanente da ANP, que no momento já está suspensa para a inclusão dos novos percentuais de conteúdo local definidos em dezembro e para a retirada de áreas ambientalmente sensíveis.
“Porque perenizar, engessar, num projeto de lei uma política de conteúdo local de setores que sabidamente podem se tornar menos estratégicos para a neoindustrialização nas próximas décadas? Não faz sentido”, diz o sócio da área de Petróleo e Gás do Machado Meyer Advogados, Fernando Xavier.
CNPE elevou índices dentro de patamares já atendidos
Se aprovada, a emenda no Mover reduz alguns índices mínimos de conteúdo local, criando pisos legais até 2040, enquanto proíbe as isenções, os waivers aplicados pela ANP, mediante um entendimento da agência que não é possível atender às obrigações, que hoje são contratuais.
O texto prevê 50% para projetos em terra. No offshore, são 18% na exploração, 30% para poços de desenvolvimento, 40% para sistemas de coleta e escoamento de produção e 30% para plataformas (UEPs).
A mais recente alteração na política ocorreu em dezembro, no CNPE, quando o conselho manteve em 50% o conteúdo local para projetos em terra e elevou os índices para o offshore.
A decisão foi criticada pelo mercado, mas as equipes técnicas da pasta sustentaram as mudanças com base na atratividade de investimentos e em índices que já vinham sendo atendidos para o mercado.
“(…) Recomenda-se manter inalterados os percentuais globais de 50% para a fase de exploração e desenvolvimento [em terra], evitando o aumento da percepção de risco nos próximos leilões de áreas por parte das empresas de petróleo, o que poderia impactar no apetite para investimentos neste setor tão importante para as economias locais”, diz o MME.
A justificativa consta em uma nota técnica obtida pela epbr por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os detalhes foram publicados em janeiro pelo político epbr (teste grátis por 7 dias).
Para os contratos offshore e durante a fase de exploração, quando são contratados levantamentos sísmicos, perfuração de poços e estudos geofísicos, o índice subiu de 18% para 30%. Perfuração de poços de produção e injeção, na etapa de desenvolvimento, também teve a exigência elevada de 25% para 30%.
Em todos os casos, a indústria já tem conseguido atingir os percentuais, com poços e aquisição de sísmica superando os 35%.
“Para as atividades em mar, constatou-se a realização de conteúdo local em excesso ao contratualmente estabelecido para a fase de exploração e para a perfuração de poços, na etapa de desenvolvimento da produção. Por outro lado, na média, ainda não se verificou o cumprimento do compromisso de conteúdo local para as instalações de escoamento e para a UEP”, afirmam os técnicos da pasta.
A resolução permitiu, ainda, a transferência dos excedentes de conteúdo local a partir de contratos que possuam as mesmas regras, mesmo que em percentuais diferentes, do montante que exceder os percentuais mínimos dos respectivos contratos, que poderá ser total ou parcial. Medida também é vetada no projeto de lei.
Reforma de Temer justificou projeto aprovado no Mover
Na prática, a opção dos ministérios foi por alterar os percentuais e manter o modelo definido no governo Michel Temer (MDB), quando houve uma grande reformulação da política de contratação nacional.
Na época, as regras foram flexibilizadas, atendendo ao pleito da indústria que alegava dificuldades para cumprir os índices exigidos até então.
A reforma de Temer foi possível graças à competência do CNPE para detalhar a política de conteúdo local. Essa foi a justificativa de Aureo Ribeiro ao apresentar o projeto: permitiu mudar os contratos assinados, passando a valer para ativos de diferentes rodadas, com índices menores e regras simplificadas.
Chegou a existir no país uma política que demandava o atendimento de índices por item e subitens, o que virtualmente poderia levar a punições mesmo com percentuais globais de nacionalização elevados.
IBP fala em contestação na OMC
O presidente do IBP, Roberto Ardenghy, afirma que os percentuais estabelecidos no projeto de lei causam preocupação não pelos valores escolhidos, mas por serem fixados para todas as futuras áreas a serem licitadas.
“Não é que sejam números que nos causem preocupação com relação ao índice, mas não levam em consideração a característica de cada projeto. Então eles podem ser altos para um determinado projeto e até baixos para outro projeto”, disse.
O executivo reclama da falta de diálogo prévio com a indústria e de um debate técnico sobre o tema antes da decisão do Congresso.
Ele cita o caso bem-sucedido das políticas de conteúdo local na Noruega, onde os índices mínimos são definidos a cada licitação, de acordo com as características dos reservatórios ofertados e o contexto da indústria.
Afirma ainda que as empresas que atuam no Brasil estão preparadas para seguir eventuais mudanças nas diretrizes a partir do CNPE e da ANP, que são precedidas de debates técnicos.
“As empresas do mundo inteiro estão acostumadas com a regulação técnica, que leva em consideração esses aspectos específicos do setor. E, nesse sentido, é uma coisa negativa quando se tira dos órgãos técnicos, do próprio governo, essa capacidade de olhar, analisar e regulamentar”, disse
Na semana passada, logo após a aprovação do projeto na Câmara, o IBP afirmou em nota que a mudança na política poderia levar a uma contestação internacional contra o Brasil em organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
O argumento tem como base o acordo de compras governamentais da OMC, pela qual os países signatários se comprometeram a não prejudicar fornecedores estrangeiros com a criação de regras que favoreçam empresas nacionais nas compras governamentais.
“A gente está vendo se haveria uma possível não aderência dessa regulamentação a esse princípio da OMC, porque estaria, na prática, beneficiando um fornecedor nacional em detrimento de um fornecedor internacional”, diz Ardenghy.
A premissa, no entanto, pode não se sustentar, dado que o projeto de lei não traz um mérito legal novo, pois a política de conteúdo nacional já existe e o debate atual diz respeito apenas à fixação dos percentuais em lei.
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