PIPELINE. Em paralelo à regulamentação do Combustível do Futuro, a agenda regulatória nos estados pode ajudar – ou dificultar – implementação do mandato para biometano.
Braskem prepara estreia no mercado livre. Inauguração da UPGN de Itaboraí. Bolívia cria serviço de trânsito internacional para escoar gás da Argentina ao Brasil. Nova agenda regulatória da ANP. ZEG Biogás e Coagro anunciam planta de biometano no Rio e mais. Confira:
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A aprovação do Combustível do Futuro na Câmara dos Deputados se transformou num marco para o mercado brasileiro de gás natural. O projeto de lei, enviado à sanção presidencial, instituiu um programa de descarbonização que, na prática, cria um mandato para a nascente indústria do biometano.
Em paralelo à regulamentação do programa federal, daqui em diante, há também uma agenda regulatória em curso nos estados.
São iniciativas pulverizadas, independentes da nova política nacional, mas que, a depender dos caminhos tomados, poderão ajudar – ou dificultar – a implementação das metas do Combustível do Futuro.
Aliás, a agência eixos publicou um guia para explicar, em cinco pontos, como vai funcionar o mandato para o biometano, cuja criação opôs produtores do biocombustível, de um lado, e consumidores industriais e produtores de gás do outro. Entenda
A seguir, a gas week analisa de que forma os estados podem contribuir ou atrapalhar o mandato, sob a perspectiva do setor de biometano; e os riscos que as indústrias enxergam na implementação do programa federal e desdobramentos das regulações nos estados sobre os custos do gás.
Traçamos, por fim, um panorama das discussões em aberto nos estados.
CF exige simplificação dos estados
O consultor Giovane Rosa, CEO da Gás Orgânico e que atua no desenvolvimento de projetos, acredita que o Combustível do Futuro abre um espaço interessante para o biometano na matriz, mas que será preciso um esforço estadual para que todo o potencial seja aproveitado.
Ele destaca que existem, hoje, diferentes estágios de maturidades entre as regulações estaduais – que terão, na visão do consultor, o papel de, ao menos, não criar empecilhos para que o mercado flua.
Rosa pontua que um dos principais desafios para que o mandato do biometano seja bem-sucedido será conectar as plantas de biometano, pulverizadas, na infraestrutura de gás.
Ele defende que as regulações estaduais deveriam olhar com atenção, portanto, para regras simples de conexão à malha de gasodutos das distribuidoras e para a contratação de biometano no mercado livre.
Os marcos estaduais costumam definir limites mínimos de consumo para que um usuário possa ser enquadrado como consumidor livre — o que pode ser um limitador para pequenos projetos.
Rosa lembra que o setor de biometano trabalha muitas vezes com investimentos em pequenas plantas e que potenciais clientes dessas unidades teriam dificuldades de migrar para o ambiente livre.
A presidente da Abiogás, Renata Isfer, defende também ajustes nas regras do consumidor parcialmente livre, de forma a permitir que um usuário possa contratar o biometano no mercado livre e, ao mesmo tempo, manter parte de seu consumo de gás no mercado cativo.
Segundo ela, o modelo da regulação de São Paulo deveria ser replicado. A Arsesp definiu em 2023 que o usuário parcialmente livre deverá remunerar a concessionária pelo serviço de distribuição do volume total que passa pelo gasoduto – e não apenas o volume contratado no mercado cativo.
Caso contrário, criaria-se uma distorção que elevaria o custo médio da distribuição para o usuário parcialmente livre em questão – já que a margem e a TUSD (a tarifa de uso do sistema) são decrescentes. Ou seja, quanto maior o consumo, menor o valor médio.
“A regulação estadual foi pensada para o gás natural. O biometano está entrando agora. Os volumes de produção, as distâncias para a rede, os modelos de negócios são realidades diferentes das do gás fóssil. Tem que se olhar para essas particularidades”, afirma Isfer.
Estados concorrem com o Combustível do Futuro?
Um ponto nevrálgico que os estados também precisarão discutir é a questão da precificação do biometano.
Giovane Rosa pontua que a inserção do biocombustível no mix de suprimento das distribuidoras exigirá das concessionárias mais flexibilidade na negociação dos preços e indexações.
“As distribuidoras já começaram a conviver melhor com diversidade de indexadores no gás natural, mas o biometano exige ainda mais flexibilidade. Regulações rígidas de precificação tendem a travar o mercado”.
As distribuidoras estaduais de gás canalizado têm sido importantes fomentadoras do biometano, seja por meio das chamadas públicas para aquisição do biocombustível, seja a partir da estruturação dos projetos de corredores verdes.
Concessionárias como a Compagas (PR), MSGás (MS), Copergás (PE) e Bahiagás (BA), por exemplo, estão com chamadas públicas abertas exclusivas para aquisição do gás renovável.
A depender da forma como o biocombustível é precificado nesses processos (se as distribuidoras vão remunerar apenas a molécula ou também o atributo ambiental), as chamadas públicas podem vir a concorrer ou não com o mandato do Combustível do Futuro (sem considerar, claro, as discussões de criação de mandatos estaduais, como no RJ)
Rosa destaca que o programa federal acertou ao permitir que os produtores e importadores gás natural (sobre os quais recairá o mandato) possam comprovar as metas de descarbonização seja por meio da compra e consumo do biometano em si, seja por meio da aquisição do Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB).
O mérito desse mecanismo consiste em separar a molécula de seu atributo ambiental. “O certificado ajuda a desassociar as estruturas. As distribuidoras podem comprar o biometano como se estivessem comprando gás natural, ou seja, interessadas só na molécula, sem precificar o valor ambiental da molécula. Isso permite com que as chamadas públicas nos estados sejam complementares ao Combustível do Futuro”, comentou.
Isso porque a concessionária não tiraria de circulação, nesse caso, o certificado – que poderia continuar a ser negociado no mercado, para cumprimento das metas de descarbonização.
Consumidor teme dupla pressão inflacionária
Do lado dos consumidores industriais, há uma preocupação com a coexistência do mandato do Combustível do Futuro e os incentivos em âmbito estadual.
“Só faz sentido para a distribuidora remunerar apenas a molécula se ela for mais barata ou pelo menos igual ao preço do gás natural. E nem sempre fica claro nas chamadas públicas se o atributo verde está entrando na conta”
“E aí se a chamada é para o biometano e a distribuidora está incorporando o atributo verde, aí isso pode concorrer com as metas do Combustível do Futuro”, contrapõe o diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.
Ele cita que as metas do Combustível do Futuro ainda serão regulamentadas e que, a depender de como o atual mercado voluntário será considerado, poderá haver mais ou menos volume de biometano disponível no mercado.
Caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definir a rampa de crescimento das metas de descarbonização, que começam em 1% em 2026 – e que não poderão exceder a 10%.
O CNPE poderá, excepcionalmente, alterar o percentual anual de redução de emissões, inclusive para abaixo de 1%, “por motivo justificado de interesse público ou quando o volume de produção de biometano impossibilitar ou onerar excessivamente o cumprimento da meta”.
Na tramitação do Combustível do Futuro, produtores e consumidores de gás defenderam que a redução de emissões alcançada pelo mercado voluntário de biometano ou de certificados pudesse ser deduzida das metas de descarbonização.
A Abiogás rebateu na ocasião, ao alegar que o objetivo da política do biometano é, justamente, incentivar que o gás renovável alcance uma participação na matriz que não conseguiria por meio somente do mercado voluntário.
Lorenzon cita, ainda, uma outra preocupação dos consumidores: que as metas do Combustível do Futuro pressionem não só o preço do gás natural em si, mas também as tarifas das distribuidoras, devido ao custo de conexão das plantas de biometano à rede.
“O que pode vir a acontecer é que a distribuidora vai investir muito para conectar as fontes de suprimento de biometano à rede. Isso vai ajudar a cumprir a meta do Combustível do Futuro, mas a que custo?”
“O Combustível do Futuro tem um custo direto, que é o custo adicional da compra da molécula; e o indireto, da infraestrutura”, disse.
Um giro pelos estados
Os dois principais mercados de gás natural do país, São Paulo e Rio de Janeiro, estão debruçados sobre o tema do biometano.
O governo fluminense prepara um decreto que regulamenta a Política Estadual de Gás Natural Renovável, que em 2012 estabeleceu um mandato (que nunca vingou) para as concessionárias CEG e CEG Rio.
A minuta do decreto regulamenta esse ponto, mas é bem mais ampla do que isso: passa por questões como swap (troca operacional/comercial); regras pró-mercado livre; e pela qualidade do gás renovável, por exemplo.
O conteúdo da regulamentação, porém, é objeto de divergências entre o governo e a Agenersa. As partes mantêm conversas para contornar os pontos conflituosos desde junho.
Já em São Paulo, a Arsesp incluiu, na agenda regulatória para 2025, os estudos sobre a regulação e a modelagem dos projetos para inserção do biometano nas redes de distribuição.
Hoje, as conexões são viabilizadas pela assinatura do Termo de Utilização de Interconexão, entre as concessionárias e os produtores de biometano. O TUI é o que garante o retorno do investimento da interconexão, mas agentes pedem mais clareza sobre as regras de conexão.
Identificar os possíveis modelos para operações de swap para gás natural e biometano é outro ponto da agenda.
No Mato Grosso do Sul, estado com grande potencial de produção de biometano, a Agems publicou no fim do ano passado um marco regulatório para o gás renovável e, no mês passado, deu mais um passo ao criar o Comitê de Biogás/Biometano.
O órgão terá um papel consultivo: vai acompanhar a evolução do mercado e promover iniciativas e desenvolver estratégias para expandir o uso do gás renovável no estado. Contará com membros do governo sul-matogrossense, da MSGás e agentes privados (incluindo a Abiogás, o Grupo Energisa e a FIEMS, a federação das indústrias).
No Nordeste, o biometano também está na agenda regulatória da Arsal, de Alagoas (desenvolver estudos e estabelecer metodologia para distribuição de biometano); e da ARPE, de Pernambuco (definição dos critérios e metodologia para o serviço, visando promover a expansão do mercado de biometano).
GÁS NA SEMANA
Mais biometano. A ZEG Biogás e a Coagro assinaram um contrato para construir a 1ª planta do Norte Fluminense. Com capacidade para 3,7 milhões de m3/ano, o projeto deve começar a operar no início de 2026.
– E a Arsesp aprovou o Termo de Utilização de Interconexão (TUI), documento celebrado entre Comgás e a Biometano Verde Paulínia (Edge/Orizon) e que permitirá a ligação da planta de gás renovável do aterro de Paulínia à rede da distribuidora paulista, com destino a usuários livres de SP.
Mercado livre. A Braskem prepara sua estreia como consumidora livre de gás. A companhia recebeu autorização da Agergs para avançar nas negociações com a Sulgás e, assim, viabilizar sua migração.
Gás argentino. O governo da Bolívia publicou um decreto que amplia as competências da estatal YPFB e formaliza, assim, a criação do serviço de trânsito internacional que permitirá o envio de gás da Argentina ao Brasil.
Rota 3. Com a presença do presidente Lula, a Petrobras inaugurou nesta sexta (13/9) a UPGN do Complexo de Energias Boaventura – novo nome do antigo Comperj, em Itaboraí. Expectativa, porém, é que o gás do Rota 3 comece a chegar ao mercado, de fato, somente na 1ª quinzena de outubro.
ANP. A nova agenda regulatória, colocada em consulta prévia, introduz 19 novos itens à edição atual, sendo um deles a definição das regras para autorização do exercício de importação e exportação de gás.
Regulação estadual. A Arsal, de Alagoas, abriu consulta pública para discutir o aprimoramento da resolução que trata da metodologia de cálculo da tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) e da tarifa de uso específico do sistema de distribuição exclusiva (TUSD-E). Prazo para contribuições vai até 17/9.
Tarifas. A Agergs, do RS, abre nesta segunda (16/9), até 7/10, consulta pública sobre a Revisão Tarifária da Sulgás.
– Em São Paulo, a Arsesp adiou para junho de 2025 a conclusão da 5ª Revisão Tarifária da Comgás e Necta. Ambos os processos estavam, inicialmente, previstos para ocorrer até o fim deste ano.
Leilão de reserva. O Brasil vive uma nova crise hídrica que levou à antecipação do acionamento de termelétricas, enquanto o governo segue sem definir o próximo LRCAP para garantir a segurança do sistema nos próximos anos.
CCS. Combustível do Futuro trouxe definições importantes para a captura de carbono, mas deixou incertezas que agora caem no colo da regulamentação. Na agência eixos
Hidrogênio natural. A ocorrência conjunta de hidrogênio e gás natural é um dos aspectos técnicos que precisa receber atenção especial, segundo relatório divulgado pela ANP. Entenda a discussão na coluna de Gabriel Chiappini.
Defesa do gás natural. Um conjunto de associações e entidades propôs um pacote de medidas para a promoção do gás como vetor da transição energética, em documento entregue ao ministro Alexandre Silveira
Transporte. A TBG abriu uma consulta ao mercado para aquisição de gás de terceiros para uso no sistema e para balanceamento. Propostas devem ser enviadas até 30/9, com o início do fornecimento para 1° de janeiro de 2025.